Vou liderar uma pessoa negra. E agora?

Um dos grandes desafios que muitas lideranças estão encontrando atualmente, em razão das ações afirmativas, é na inclusão de profissionais negros em seus times. Mais de uma vez eu recebi contato de gestores dizendo: “me ajuda, não sei como fazer, estou tentando ser empático, mas não sei se estou no caminho certo, não tenho lugar de fala”.

Vamos lá. Há duas questões que precisamos ressignificar nessa frase.

Primeiro, a banalizada “empatia”.

Tenho bastante dúvida sobre se é possível alguém se colocar no lugar do outro.

Acho que o máximo que a gente consegue é olhar as coisas sob outra perspectiva, mas estar no lugar do outro, ainda que por alguns instantes, é inimaginável para mim. Talvez seja mais efetivo você entender filosófica, social, cultural e historicamente quem são as pessoas negras. Para isso, procure bons livros, filmes, séries, podcasts que possam te ajudar. Tem uma galera produzindo conteúdos incríveis nessas plataformas, não vão te faltar opções.

Segundo, você tem, sim, lugar de fala nas questões raciais.

O seu lugar é a partir do seu lugar.

Será que me fiz entender? Vou dar um exemplo: você, homem, cis, branco, hetero, de classe média, ocupa uma posição privilegiada. Isso não quer dizer que você é culpado ou que estamos desmerecendo as suas conquistas/lutas. Definitivamente, não é isso. O que estou querendo te dizer é que em uma sociedade estruturada no racismo, que levou toda a população negra para desvantagens socioeconômicas, impedindo que ela tivesse acesso até mesmo à educação durante anos (inclusive por meio de leis!), você largou numa posição vantajosa (não quero que isso te doa, mas é a real).

Enfim, voltando à questão do lugar de fala, seu lugar de fala é a partir da consciência dessa posição. Sabendo dela, você pode – e deve – se posicionar, o antirracismo precisa de aliados brancos!

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Continuando a analisar a frase inicial, há um pedido de ajuda, certo? Então, vou tentar colaborar. Gosto de usar tópicos porque acho que elucida melhor.

  • Pedra preciosa: ter uma pessoa negra na equipe significa ter uma pedra preciosa ali. E como toda pedra preciosa, para que ela brilhe é preciso lapidar, e neste caso, meu amigo, o lapidador do rolê pode ser você! O processo de lapidação é por vezes lento, complicado, mas vale a pena. Estou metafórica demais? Tá bom, vou tentar ser um pouco mais prática. Nós, enquanto povo preto, tivemos muitos acessos negados, isso quer dizer que tivemos que nos esforçar muito, mas muito mais. Em compensação, retivemos o máximo de tudo a que tivemos acesso. Porém, muitas vezes não somos estratégicos, não sabemos demonstrar nossa potência e somos ofuscados pela “casca” que criamos ao nosso redor. Mas retirando essa casca (leia-se lapidando-nos), você encontra um tesouro de valor incalculável. E olha, nem sempre você precisará lapidar todas as faces dessa pedra, abra um lado, exponha o brilho e o resto, nós mesmos retiramos.
  • Vozes negras importam: se tem uma coisa que nos é cara é a nossa voz. Ceda o palco, escute ativamente, interesse-se pelo que temos a dizer, dispa-se de rótulos que nos foram historicamente impostos e que permeiam o inconsciente coletivo e deixe a gente soltar a nossa voz.
  • Não há fiscais de fala: muitas lideranças acham que serão canceladas por usar um ou outro termo de origem racista. Não, isso é o que pesa menos para nós, o que não quer dizer que você não deva brigar com o seu inconsciente para retirá-las do vocabulário. Mas na boa, esse não é o maior dos problemas. Portanto, não deixe que isso te paralise ou emudeça. Fale e aceite dicas para melhorar seu linguajar.
  • Cuidado com a repreensão: passar pelo processo de lapidação dói, então, tome cuidado com as ferramentas que você vai usar para isso. Pense que está lidando com alguém que já teve que ultrapassar tantas barreiras que nesse momento merece e carece de um olhar e uma atitude mais acolhedora. Mas atenção, esse não é, de maneira alguma, um discurso vitimista e nem estou dizendo que somos sensíveis em demasia. O que estou recomendando é que você não precisa ser mais um algoz, entendeu a sutil diferença?
  • Reconheça: todos nós somos motivados pelo reconhecimento, não é mesmo? Se fizermos esse recorte para um povo que sempre foi invisibilizado, calado e desmerecido, isso ganha ainda mais força, então, elogie publicamente, dê feedbacks positivos, honre.
  • Valorize a jornada: lembra que eu falei que nós precisamos correr alguns quilômetros a mais do que quem faz parte de um grupo privilegiado? Isso é tão real quanto saber que a terra é redonda (terraplanistas, me desculpem). Então, reconheça a trajetória do seu colaborador negro, ouça suas histórias, perceba os percalços que ele enfrentou e veja que a jornada dele pode não ter as mesmas referências que as suas, mas existe uma grande beleza nela também.

Por fim, brilhe e deixe brilhar.

Afinal, tesouros existem para isso. 

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